Sétimo Andar
O horizonte alaranjado
Anuncia o visitante:
Vem mostrar o seu semblante,
Pela manhã convidado,
O pontinho cintilante;
Sai o lume de sua casa,
E nasce o sol da justiça.
Este que nunca se atrasa,
Sua cor é como a brasa,
Quando um leve sopro a atiça;
Se acanhado se apresenta,
Mais audácia vai ganhando,
Sua luz vai derramando,
Quando a terra em marcha lenta,
Vai aos poucos revelando,
Na luz que a terra irradia
Quando ao voar em bando
Pássaros em doce canto
Anunciam q’um novo dia
Deus ao homem está dando;
O sol passa se esgueirando
Cores mil vai refletindo,
A manhã vem se despindo,
Está o dia pincelando,
Toda a terra colorindo;
Da paleta, as cores sutis
Estão em tons se degradando,
E se mais longe vou olhando
Mais eu percebo a matiz
Do horizonte acinzentando.
Bem lá, onde o sol se esconde,
Se assentando na largura,
Alinhados estão os montes,
Pela extensão do horizonte
Qual d’um quadro a moldura,
Estão cercando a bacia
De uma a outra extremidade,
No centro está a cidade
Ocupando a simetria
Da natural concavidade;
Esmagadas entre as casas
Brotam árvores no chão,
Que competem a extensão,
Espalham se bem esparsas
Por todo canto e direção;
Perde o seu posto a natura,
Da beleza natural,
Pro trabalho manual
Quando o homem se aventura
A armar as tendas do arraial.
– Tenta o ledo passarinho
Ir barrar do vento o vício
Com tão pequeno artifício,
Que da palha para o ninho
Faz grande beneficio –
Quão melhor o desempenho
Tem o homem por distinção
Se mais firme proteção
Procura em seu fino engenho
Erguer sua habitação.
Nas ruas entrelaçadas,
Tal qual as tramas do linho,
O trabalhador sozinho
Com passadas apressadas
Vai seguindo seu caminho;
Na avenida o movimento
Toma conta da larga via
Tem fim a monotonia
Está o homem em seu intento
Atrás do pão de cada dia;
-As formigas revestidas
Duma força e humor constante
Levam a folhinha adiante,
Suportando sempre unidas
Em seu trabalho incessante: –
Duma igual força investida,
O construtor não hesitante
Dos companheiros vai avante;
Estão em cima da avenida
Construindo a grande ponte;
O caos está se impondo
No meio da agitação
Cada carro a sua mão:
Fragor, o ruído e o estrondo
Traz a alma inquietação.
Perturba a manhã perene
A buzina em seu alarido,
O tráfego em seu ruído.
Desvairada vai a sirene
No caminho percorrido.
E se no chão não há descanso,
Mas caos e correria,
As nuvens no passo manso
Sem pressa fazem avanço
Qual a branda melodia.
Na tarde laboriosa,
Enquanto vem e vai o vento,
Qual da rede o movimento,
Uma vista curiosa
Acalenta o pensamento:
-Qual a bandeira da nau,
Que ao ar ergue-se imponente,
No mar bravio e insolente,
Na viagem lacrimal,
Curva ao vento piamente – :
No mar de pedra, modesta,
De verde louro o pigmento
(Cor do nobre regimento),
Dança aos ares em festa,
Uma flâmula ao vento.
Ora baila audaciosa.
Ora baila paciente.
Olhos a veem contente,
Quando sofre graciosa
O sopro do vento ingente.
Se o vento frio se esconde,
Medrosa enrola ao mastro,
Qual o menino que o rastro,
Perdeu do pai, e vendo-o longe,
O abraça a perna: firme lastro.
Fica o pelo do cãozinho,
Pela garoa encharcado;
Fica o estandarte ensopado
Se prostrado no caminho
Do aguaceiro desvairado.
O cãozinho então balança
Eriça os pelos de mansinho;
Quando chegada a bonança,
Volta o pano para a dança
Se o vento lhe faz carinho.
Se em ver a flâmula terrestre
Já se acalma o pensamento,
Qual seria o sentimento
Vendo a flâmula celeste
No eternal assentamento?
Outra vista curiosa,
Bem debaixo do céu eterno:
A efígie de rosto terno,
Erguendo-se majestosa,
Por trás do templo moderno.
Com um sereno semblante,
Protegendo com o olhar,
Está fitando o horizonte
Como se olhasse adiante
Detrás dos montes sem par;
Finge espantar da cidade,
Com sua tocha o mau agouro,
A estátua da liberdade,
Que Moisés diria, na verdade,
Ser mais um bezerro de ouro.
É que o homem sempre formou
Da pedra, matéria prima,
Aquilo que tanto estima,
Mas a pedra santa recusou
Que foi feita pedra d’esquina.
Se agradou o Bom Criador,
No triste dia sem par,
O homem com pó comparar:
Se criado pelo homem for,
Mais ao pó tem que voltar.
Para a cidade, improvável,
Uma vista sem igual
Fulgura o canto lateral:
Um verde bosque admirável
Bem as margens do quintal.
Árvores em seu balanço
Num doce sutil evento,
Estão elas em seu lamento,
Deleitando em seu descanso,
Falando a língua do vento.
Como nauta cruza o mar,
Vai cruzando o sol fulgente,
Se acanhado no oriente,
Mais ousado ruma ao lar
A repousar no ocidente.
Tem no ocaso seu declínio,
Devagar e sem alarde,
Tons de sépia ganha a tarde,
Perde o sol o seu domínio,
Seu brilho pondo à parte.
Cai então a noite repentina,
Irrompe o pequeno lume
Na sua forma e volume,
Crescer, minguar é rotina
Ocultar-se é costume.
Desde o firme assento etéreo
Pende o lume pendurado
Por um fio tão delgado;
Mantém da noite seu império,
Pelo brilho delegado.
Negro, o manto cravejado
De luzentes diamantes
Forma o céu belo estrelado
Como se fora alvejado
Pelas setas flamejantes
No chão, as luzes da cidade
Acendem num só momento.
Espelham do céu, o movimento:
Pois quer da terra a vaidade
Competir co’ firmamento;
A cidade sem sossego
Se prepara pra dormir.
Começa o fluxo a se esvair.
E cada um no seu aconchego,
Aguarda o dia porvir.
Manhã e noite separada
Por um longo afastamento
Estão num breve momento
Unidas pela madrugada
Num curto espaço de tempo.
Tem seladas um tratado
De paz e de quietude,
Que é tão grande virtude,
Para o espírito cansado
Ter com o sono a saúde.
Passa a noite fugidia,
Está prestes a findar.
Com o seu fio a emendar
Em um novo e caro dia
Visto do sétimo andar.