Para quem não tem raízes
O não pertencimento é uma sensação, também um sentido, um sentimento. Você permanece nos seus dias iguais, envolto nos silêncios, remoendo que talvez, amiúde, a vida possa ser boa, que talvez, amiúde, você não se encontre tão demarcado por invólucros herméticos; mas isso é apenas a sua cabeça, projeções infindáveis.
De lado de fora, do lado que é sustentado por músculos, ossos, vértebras, pés (esses fatigados), não existe alguém, não existe o outro, não existe, de fato, uma “certa disponibilidade” (que não importa em relação a quê), mas aquela disponibilidade como antigamente, quando ouvir parecia sentir, falar parecia um desaguar as inconstâncias de dentro, trazendo certo alívio, essa ideia de pertencimento, de que não, não estou sou, de que também tenho aquele aspecto que dizem, “A Natureza Viva”.
Mas isso é passado, restou pouco, restou nada, restou pó sobre o chão da casa e restou o silêncio que se perpetua e afasta, trazendo, enfim, a compreensão de que somos sozinhos, permaneceremos sozinhos e não há qualquer tipo de possibilidade de alguém estender um dos dedos das mãos até o seu rosto e realizar - o que antes, muito antes, demasiadamente antes - soaria como um toque, algum tipo de representação de carinho.
Segue-se seus dias fadados, subvertidos pela impossibilidade de “uma vida normal” (seja lá o for isso), suas noites insones, maldormidas, seu distanciamento do centro de tudo – o que você já nem consegue nomear.
Você se torna uma pessoa indigna, imersa em si, contraditória, dispensável, anacrônica.
Dispersando-se em dias iguais aprende a aceitar o não pertencimento as nuvens, lugares, autoestradas, pessoas, amigos.
Cada vez mais distante, permanece em si, de onde nunca, jamais, poderá sair...
Pois há medo (ou esperança?) em convergir para o raio dessa vida circuncêntrica, romper ciclos e deixar que cordas se partam.
Sim: não nos movemos de si.