Uma situação singular

Não sei se foi sonho ou realidade, mas certo dia me vi em uma situação singular. Eu era ao mesmo tempo o autor e o personagem de um drama íntimo, que se desenrolava em versos soltos e amargos. Em uma rebeldia me desfaço, me ignoro, me exploro / morro e padeço. Assim dizia eu, em um tom de desespero e revolta, como se quisesse romper com tudo o que me prendia e me oprimia. Mas logo em seguida, contradizia-me: em uma estrutura me limito, me contenho, lamento / um verniz não muda nada / ainda morro e apodreço. Reconhecia, então, a minha impotência diante do destino, da sociedade, da morte. Nada adiantava mudar a aparência, fingir ser outro, buscar consolo. Eu estava condenado a sofrer e a perecer.

Mas não era só isso. Havia também momentos em que eu tentava enganar a mim mesmo, buscando algum prazer ou distração. Uma cama não muda nada / ainda estou ainda tenho. Dizia eu, referindo-me às aventuras amorosas que por vezes me seduziam, mas que logo se revelavam vazias e insatisfatórias. Eu continuava sendo o mesmo, com os mesmos problemas e angústias. Uma taça não muda nada / ainda tenho ainda não posso. Dizia eu, aludindo às bebidas que por vezes me embriagavam, mas que logo se dissipavam e me deixavam mais lúcido e infeliz. Eu continuava tendo os mesmos desejos e frustrações.

Assim vivia eu, entre a rebeldia e a resignação, entre o prazer e o sofrimento, entre a vida e a morte. Não sei se foi sonho ou realidade, mas certo dia acordei e não me reconheci mais. Quem era eu? O que fazia ali? Para onde ia? Não tinha resposta. Só tinha versos.

hewie
Enviado por hewie em 07/04/2023
Código do texto: T7758296
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