Discurso Contra o Amor
Me fale de guerra e dor
Sobre a arte do poder
Me fale de uma lembrança
Sobre quando o sol nascer
Me fale de qualquer semelhança
Entre o ser e o não ser
Me fale de sangue em fervor
Me fale de qualquer coisa
Mas não me fale de amor
Esse devaneio não se alcança
O fim do arco-íris depois do limite
Uma renovação que cansa
E depois se verte em gastrite
Descer ao submundo direto
E tudo o que sonhava não existe
Ao menor sinal de afeto
Não se esqueça: corra e grite
Me fale de armas e calor
Sobre desejos de revolução
Me fale de uma nova nostalgia
Sobre uma briga de irmão
Me fale a maior heresia
Que tiver escondido no porão
Me fale de deuses por pavor
Me fale de qualquer coisa
Mas não me fale de amor
Orando para que qualquer magia
Faça doer menos que a sinusite
Seria melhor a dor que mataria
Do que chorar numa suíte
Ao receber escarnio completo
E se questionar porquê insiste
Depois de se rastejar feito inseto
E quebrar como um grafite
Me fale de caos e tremor
Sobre animais sem fofura
Me fale de uma música horrível
Sobre a performance da loucura
Me fale de um gesto insensível
Que sem querer saiu e perdura
Me fale do universo vingador
Me fale de qualquer coisa
Mas não me fale de amor
Quando dormir for impossível
E rogar que sempre o Cupido hesite
Confessar-lhe um ateísmo crível
Nada disso mais se permite
O que não for de gelo vira concreto
Racionalizar até o último ato triste
Até matar o sentimento ainda feto
Para que o coração não se agite
Me fale de pesadelos e valor
Sobre a ordem dos planetas
Me fale de solidão eterna
Sobre ir para casa em cometas
Me fale em vida à luz da lanterna
E a morte merecida dos poetas
Me fale que o tempo acabou
Me fale de qualquer coisa
Mas não me fale de amor