Uns, Tantos, Muitos, Outros Sem Poesia

Uns sem tetos,

Tantos sem dentes, sem sal

Muitos sem comida, sem açúcar

Outros moradores sem endereços,

sem documentos,

Esses sem classe

Aqueles sem nível

Outros tantos marginalizados

Todos feridos, sangrando em lágrimas frias irrigando peles queimadas pela fome do dia a dia

Ah, os sem farinha, sem feijão, panelas vazias em dias cheios de desilusão

Sao uns coitados - numeração sem bula a serviço de escadas alheias

Os sem pontes, sem cercas,

sem terras, paredes, alicerces,

Tantos sem preces, sem rezas, sem oração

Com mãos calejadas, com os pés feridos de tantos rastros sem sementes

Essas almas dissecadas, desidratadas, desnutridas, esfaceladas sem uma marca do afeto porque lhe faltam abraços ou um aperto de mão!

Uns, muitos, tantos, outros sem poesia :

Vida insossa, amarga, dolorida, comprida, sem graça

E tantos na escuridão do dia,

e outros no clarão da noite a roer o estômago com nós nas tripas de tanta fome

E como sobreviventes

de tempestades e naufrágios sem vinho e sem versos

Esses sem roupas, sem chapéus, sem livros

Mas são tantos os impostos

Aquelas e outras tantas almas ensaguentadas e desvitalizadas mas que ainda pulsam como sub - almas ou como quase nada

Mulheres e homens sem nomes, sem cheiros, sem cor,

só lhe resta a palidez dos dias

Analfabetos em filas em léguas tiranas e tantos outros condenados a serviçais do sistema perverso, desonesto, indecente

E quantos sem pais, sem mães, sem irmãos

E sem a beleza do amanhecer e sem a esperança de um fim de tarde, infiltram-se em filas, filas sob o rigor do sol e de quando há chuva

Mas, muitos por aí e por aqui, por lá e acolá

sem Arte por toda parte,

Sem riso, só martírios, só desilusão

Que a cada dia, a cada instante sente a tortura das horas que não passam, apenas deixam cicatrizes da amargura da raiva de ter nascido!

E dessa morte de morrer sem poesia, anêmicos sub-vivem

Muitos sem direitos, sem cidadania

Que agonia, que vexame, sobreviventes de redemoinhos

de hostilidades, de indiferenças de maldades que deterioram, desmoronam, aprisionam, sufocam, mutilam ...

Uns muitos tão magros, outros tantos fora do peso, envergados com medo do amanhã

e os fora da rota

da dignidade humana

Sub - vidas

Sub - humanos

Sub - letrados

Sobreviventes de ventanias

tão macabras, tão sujas, tão vis

Ah, vida dolorida !

Ah, mundo sujismundo

E os desidratados que morrem sem água, de disenteria, de anemia à beira das estradas cujo abandono é testemunho ocular a ocultar tais vergonhas

Há tantos outros que agora morrem sem ter a maciez e o calor de uma palavra

Quanto agonia !

Vixe !

Me dói o peito, me corrói a alma, me secam as lágrimas

Quanto vexame

E uns tantos outros que morrem recebendo palavras como pedradas que perfuram o corpo e deixam cicatrizes na alma!

Mas, são tantas as pedradas

Ah, quantos corpos tortos, empenados pelo cansaço, envergados pela tortura de morreram à míngua na fila de ossos secos, murchos

Ah, mas são tantos, não se sabe quantos que sem datas e sem dentes nada tem pra mastigar...

E morrem pela falta de um sorriso, de um abraço, de um olhar

Morrem pela falta de um pão

Muitos sucumbem pela falta de uma palavra com efeito de um afeto que pode oxigenar tantos desertos gritantes como facas errantes dentro de cada um a arder como coivaras, a queimar como labaredas

E muito pior do que morrer ou matar de fome e de sede, de descaso e de hostilidades, é o enfeitiçamento da indiferença que a tudo normatiza, tudo normaliza e tudo naturaliza - quando na verdade, esse exercício mutila, amputa, sufoca, tornando estéril o lugar onde se pode esculpir sonhos

Sub - viver sem a poesia

Mas poder matar a fome de comida, da falta de música por toda parte, da beleza que tanto dignifica como direito sagrado

Uns tantos às escondidas, envergonhados, com tanto medo do amanhã que por acaso vingue

Uns cegos, sem chão, sem alicerces

Uns outros surdos, sem sementes, sem raízes, sem flores a perfumar - lhes a vida

Uns mudos, sem modos, sem desempenos

Os sem escolas, sem futuro

Sem sacolas, sem circo, sem pão

Os sem horizontes

Perdidos!

Os sem sonhos

Medonhos!

Os sem poesia

Mas pra que tanta feiúra, tanta amargura, tanta secura

- Meu Deus !

Quanta peregrinação ...

E sem versos,

E sem arte

E sem livros

Os sem meios

Os sem fins

Os sem medos

Mas, são tantos os enredos...

E outros sem coragem de viver

Acolá, há outros sem desejos

Por aqui, há outros sem vontades, sem escolhas

Outros com fastio da vida

Outros sem afetos

Mas, como são tantos os desertos

E tantos hostilizados

E muitos cara a cara com a indiferença

Com a descrença

Sem riso, ocos

Sem piso, ocos

Sem nada, ocos

Falta - lhe caminho

Falta - lhe carinho

Faltam - lhe estradas

Falta - lhe esperança

Pois cansados estão sem lágrimas pra chorar

Mas que votam, votam, votam

E cansados, suados, tornam cansar

E vomitam dores em plena luz do dia

E famintos e sedentos

se rendem, se vendem fiado, no crediário, a prazo, a varejo, em finas e esguias prestações

Ah, esses fichas sujas, sem crédito, com débitos no varejo

Os sem bundas, sem colos,

Sem prumos e sem rumos

Que vendem votos,

que trocam votos,

que mentem votos,

Esses remendados, cheios de nódoas, de lodo, sujos da fome e da sede que tanto arruínam o seu direito de sonhar

Sonhos roubados, esquartejados

Sonhos estuprados, subtraídos

Sonhos abortados, estéreis de tão frágeis

E outros sem nunca terem embelezado a vida com a fertilidade de um sonho

Arrancaram - lhe tudo !

Que absurdo !

E ninguém ouve um grito

Só os incômodos e absurdos silêncios covardes que estrondam fazendo histórias

na regalia da dança nefasta de opressores e oprimidos

Uma sina ?

Um destino?

Ou um parafuso a mais

ou um parafuso a menos

na bordadura encardida que o sistema alastra?

Ah, esses sem modos,

que falam alto, que falam gritando,

Esses bocas secas, esses bocas amargas

Ah, sempre eles engrossando filas com olhares neblinados e sem brilho, que comem de mãos cheias e esses que cospem no chão, esses sem esgotos

Com corações sombrios,

com a esperança estendida

nos varais do esquecimento

E são muitos franzinos que sub- - nutridos, sub- vivem às sombras de tiranias

Uns coitados, uns tantos esquecidos e outros

tantos movidos pela ausência

do cheiro de dias melhores

São corpos mortos com odores maltrapilhos, sem cores,

sem o anúncio de um crepúsculo sequer

Uns tantos que nem mais saudades sentem

Que não vem beleza em nada

Nem contam mais os dias

Porque o fim parece solução

Ó, coitados, sem costas largas,

Sem remo, sem rumo, sem pratos!

Apenas usam suas digitais, nem desenham mais seus nomes

Apenas abusam suas digitais

Apenas esquecem suas digitais

Que são vendidas com tapas nas costas, por pingos de pingas, por sorrisos falsos,

dentaduras, sacos de cimento e roupas sem uso

E a água como esmola e as sacolas furadas a derramar sonhos

Com sorrisos plastificados

Com sorrisos amputados

Com sorrisos abortados

E seus rastros apagados

E com as rugas acesas

E precoces morrem de sede

Morrem de fome

Morrem sem nome

Por não se lembrarem do que comem, lambem os beiços secos com fome

Porque são iletrados, bastardos, secos, esquisitos e fora de rumo, sem rimas, sem prumo

Eles, os barrigas secas,

Os barrigas vazias, usados como apetrechos

Os braços secos,

Os bundas secas,

Os olhos secos,

Os peles secas, línguas secas,

E do vento se alimentam

E da esperança se desesperam

Com o coração amargo

Com a alma seca e sem vida

E com a alma anêmica e sofrida

E com a alma esturricada

Perde - se no esquecimento dos seus nomes

E quando o pôr do sol some, deixando rastros de cores

Vai - se com ele o que lhe resta

de pronome,

E sem flores

Florescem só ao nascer

E se embrutecem com a invisibilidade como sina

E se prostram como condenados a um destino ajustado ao descaso iluminado por hostilidade, indiferença e rancores de infinitos tamanhos

Como coisas coisificadas ambulantes

Perambulam como objetos objetificados, como objetivos e metas metrificadas pelos horrores de mulheres e homens

com ganância à luxúria de acúmulos vis e mesquinhos

E os sem preços e sem valor

sem classe e sem nível

Sub vidas penduradas, petrificadas, doloridas,

esticadas e escorridas

Sem viço, desérticas,

Eles sem sim, sem não

Sem pão, sem pratos,

Sem brilho nos olhos,

Eles, os sem lágrimas,

Sem cheiros e condenados

ao exílio de si mesmo

Ah, esses sem belezas,

Ah, esses sem caprichos,

Ah, esses desavisados

Ah, esses tantos famintos nas filas dos ossos, os panelas vazias, os copos secos, os pratos sujos de nada

Ah, esses franzinos, anêmicos,

sem cheiros, sem leis, sem dogmas, sem ritos, sem liturgias, sem hinos, sem sinos, sem missas, festas, cultos

Sem merenda, sem emendas, sem rendas, sem jardins, sem meios, sem lucros

Mas são meios e sem começos

Ah, mas são seus os tropeços, Ah, mas são suas as quedas

E os abraços tão longes ou quase nunca

E os afetos escassos...

Mas, são eles - os sem nada - que dão lucros

diante dos sepulcros dos vermes arrancadores

e usurpadores de sonhos,

os que sabotam e

esterilizam a esperança, esses abortadores e mutiladores

da utopia desses uns, tantos, outros e muitos sem poesia

Raimundo Carvalho
Enviado por Raimundo Carvalho em 27/03/2023
Reeditado em 30/03/2023
Código do texto: T7750264
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