a última bolacha
aqui no rio é biscoito
em são paulo é bolacha
a farinha é a mesma
é do mesmo saco
o recheio varia
mas não de acordo com o lugar
não necessariamente
o recheio hoje é globalizado
assim como o amor:
o amor hoje é globalizado
amor hoje é mercadoria
ele está sujeito
está sujeito ao cinema
à globo
à caras
ao shopping
aos cadernos culturais
às cadeiras das universidades
às carteiras dos endinheirados
com seus dinheiros de plástico
e seus dinheiros eletrônicos
dinheiro que tudo compra
dinheiro que, segundo o velho nelson,
compra até amor verdadeiro
dinheiro
dinheiro, quem é você?
no leblon não há mais inocentes
e o amor é vazamento de navio
é óleo
é óleo escuro
é contaminação provocada
não vem como chuva
vem como sabotagem
mas, apesar de tudo,
é ele, o amor,
o melhor recheio para uma bolacha
biscoitos finos não podem ter sabor de fel
amor
andei evitando essa palavra em poema
isso faz uns tempos
só que de uns tempos pra cá ela voltou
e voltou não menos carente de significado
mas voltou
e eu não posso evitá-la
pois é – e sempre foi – a palavra que me escolhe
e não o contrário
a palavra tem mais vida que eu
e tem desejos
e tem história
e quem sou eu frente a ela?
sou um nada
sou um merda
sou um casanova teórico de merda
um brasileiro de merda
sou um pseudo-brasileiro
um pseudo-eu
sou farelo de biscoito.
(dezembro de 2007)