Uma Palavra com as Cores da Noite
Ah, uma palavra
Só uma
Apenas uma
Quem sabe vinda de um milagre, de uma semente, de uma asa, de uma cor
À tarde
À noite
Bem no ventre da madrugada
Ao anoitecer, quem sabe ela vem
Quiçá outro dia ou nunca mais virá
Uma palavra com gosto de chuva, com cheiro de areia,
Com sabor do vento, com cheiro de terra arada,
de terra molhada com chuva de verão, de fim de tarde,
Palavras com gosto de orvalhos em noites de verão
Com a beleza da Caatinga e com o cio do Sertão, com o pulsar do seu chão
Ah, palavras !
Saudades delas, de todas elas,
mesmo sem elas, ausente delas
Por onde andam, por que tão raras ?
Por que se esconde?
Medo, vergonha ou solidão ?
Ah, palavras com a largura da beleza de um verso tão só e tão raro, tão ímpar, tão singular,
exposto ao relento,
aos rebentos,
Palavras nuas ?
Quem sabe ?
Sujas com a poeira das horas, com o viço das folhas rubras, com a tenacidade das pétalas raras
Quem sabe elas vem
Sozinhas ou com alguém, na agonia da solidão
ou muito mal acompanhada ?
Cansada, sisuda, maltrapilha ou robusta, incrédula... séria, longe da miséria de não ser ouvida , tocada, sentida ou apaupada
Uma palavra apenas tão somente
Pode ser pequena, serena
Uma palavra com a cor morena,
sem rédeas, sem cercas, sem parentescos com as linhas apenas retas e desertas por destino !
Apenas uma palavra
Quem sabe mais tarde
Ontem, mais cedo
ou nunca, nunca mais
Uma palavra apenas
Pode ser sem cor mesmo ou inundada de alegria ou colorida da agonia de não se deixar pra viver mais tarde
Quem me dirá ?
Uma palavra
em preto e branco
Pálida, seca, tanto faz
Anêmica, pode ser
Apenas uma pra enlarguecer meu mundo que padece da secura, da falta que me faz ouvir em cores, em cheiros
os sons de uma palavra apenas
Quem sabe um dia?
Amanhã, talvez, quem sabe ?
Amanhã cedo
Mas, poderia ser agora
pra tingir esses instantes tão ríspidos, tão morimbundos, tão sós, tão sozinhos regados com a ferrugem de uma solidão tão rara, tão clara, tão minha
Amanhã à tarde?
Hoje à noite ?
Domingo, quem sabe ?
Apenas poder sentir o cheiro de uma palavra!
Apenas uma, tão somente uma!
Ou apenas algumas
Todas, sós, algumas, nenhumas, sozinhas
Ou algumas palavras suadas, lisas, enrugadas, loucas, tontas, opacas, podem está grávidas
Quem sabe uma palavra curva
de tão reta, leve por ser tão pesada
Uma palavra apenas
Somente uma
Somente algumas
Quem sabe apenas uma palavra com as cores da noite
Com os cheiros do dia
Com as texturas das tardes
Uma palavra
Apenas uma palavra
filha das flores
Parida das dores dos sorrisos dos passarinhos
E a palavra lonjura
se abasteça da presença de beleza e de ternura
de afeto e de doçura
dos instantes sozinhos que se alastram perante os ritos,
perante os gritos
das horas vagabundas
que por aqui se fazem morada