QUANDO AQUI CHEGUEI

Quando aqui cheguei

as ruas eram feitas de casas

e os poucos prédios

eram de três andares de escada

Quando aqui cheguei

os galos chamavam o Sol

espantando as estrelas nas madrugadas

e o dia amanhecia encantado

Quando aqui cheguei

não havia supermercado

as mercearias e as quitandas vendiam fiado

com moedas se comprava dezenas

de confeitos como se fossem sonhos caramelados

e tudo lá parecia confeccionado

em um amontoado de secos e molhados

Quando aqui cheguei

as meninas usavam trancinhas

lacinhos e vestidos babados

enquanto os meninos só usavam calça comprida

em dias santos, aniversários e feriados

quando aqui cheguei

minha avó tinha cabelo nevado

era surda do ouvido esquerdo

e como os outros velhos tinha minha idade

que passavam horas nas cadeiras de balanço

embalando o final moroso das tardes

Quando aqui cheguei

lagartixas andavam serelepes nas calçadas

as mangas do vizinho eram mais adocicadas

em dias de chuva caiam tanajuras molhadas

e as minhocas se arrastavam sorridentes

antes de serem soterradas embaixo de asfaltos

Quando aqui cheguei

aprendi a escrever em Português na escola

lá se ensinava também Francês

(je suis um petit garçon)

e de inglês e de relógios eu não sabia nada

Quando aqui cheguei

o mundo era pequeno do tamanho do meu bairro

havia menos carros a atrapalhar as peladas

e dos terrenos baldios voltávamos às casas

cheios de areias, barros e gargalhadas

Quando eu aqui cheguei

tudo estava pronto, concluído e acabado

a vida parecia constante e infindável

até compreender que o que é permanente

Dura pouco e é para ser sempre mutável

Quando aqui cheguei

todos estavam presentes

e posavam às fotos nos dias

dos meus primeiros aniversários

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 13/03/2023
Reeditado em 13/03/2023
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