FOLHAS DE MIM

Quando você me folhear...

Talvez ainda me procure na capa empoeirada

duma obra já desencadernada.

Eu , decerto, não mais estarei ali

porque não caibo em continentes herméticos

ainda que abertos, devidamente desfolhados pelas horas.

Quando você me folhear

também não me procure nas páginas em branco,

nem nos prólogos,

tampouco nas dedicatórias ou nas resenhas.

Seria como nunca folhear por mim

posto que inexisto nos vácuos e nos resumos das folhas alheias.

Minhas páginas têm asas próprias e imprevisíveis...

voam sempre para bem longe

sem quaisquer roteiros planejados e fictícios

qual os das criações que se desculpam

pelas coincidências vitais das realidades inventadas.

Eu nunca me desfolho numa realidade fraudada.

Quando você me folhear

ainda que seja bem despercebidamente

assim...

como se fosse na mansidão súbita dum carinho descuidado

nunca me procure nas prévias futilidades das apresentações

(aquelas das eloquências tão patéticas!)

porque seria inútil se descrever numa página folheada

-e ainda mais se procurar a si e ao outro!-

sendo algo que ninguém conhece...

Se , por um acaso dos roteiros,

Você ainda me folhear numa página amarela

saiba que também não estarei ali.

Eu nunca fico por muito tempo.

Por que esperaria eu o zombeteiro que gira os ponteiros

a badalar todos os sinos das existências,

só para depois tocar as trombetas , a folhear o tudo que passou?

Ao me folhear, saiba

também nunca estarei nas revisões dos textos

porque sempre me nego a olhar para trás.

Seria impossível corrigir os tantos equívocos

e ratificar as tantas verdades..

Quando ( e se!) você me folhear

corra apenas seus olhos bem superficialmente

pelas letras...como sempre foi...

É intangível a imensidão do que pulsa ali...

tão silenciosamente.

Ademais,

nenhuma retina registraria a clareza das essências

nem o tamanho abissal das imagens só figuradas

nos anversos de tantos versos que ficaram...

sem linhas, sem traços e sem voz.

É inútil me folhear

nas profundezas do que não foi escrito.

Quando você me folhear...

Também não espere me tatear nos epílogos

como um cego à meticulosa procura do que é.

Saiba , eu não termino nunca.

Apenas continue pacientemente

a me folhear bem ali

pelas suas digitais encarceradas de contos e sensações...

Nas páginas sinestésicas tão impregnadas

no tato das suas mãos.

Quem sabe, nessas desfolhadas folhas de mim

nenhum universo isolado lhe reverbere vida.

A não ser que nós, por um milagre...

ainda estejamos por ali.