Fosse Mar

Fosse mar seria magoador,

mas é rio...determinado, corrente...

zeloso, generoso até com as pedras

no percurso até o mar.

Generosidade dolorida,

quase uma automutilação.

As pedras doem.

Cortam suas águas

profunda e solenemente.

Não há perdão,

nem desvios

pra não se machucar.

O jeito é ir, ir, ir, sem olhar

as pedras do caminho.

Sentindo-as rasgando o ventre

e o próprio coração.

Mas seguir em frente.

Suas águas não o deixam só...

é ele inteiro, cada gota.

Infiltra-se à terra

para deixar seu sangue

no barro que lhe faz caminho.

Seus rastros formam paisagens

que ele nunca mais vê.

Seus olhos jamais contemplam.

Como nossa retina

que fotografa tudo pra memória...

Espelha os frutos que ajudou a nascer,

por isso segue em frente

como que satisfeito.

Ao chegar ao mar

suas águas doces

viram salobras.

Ele se doa,

a maior parte do mar, é rio...

não sal...

E cura...

Abre mão

de sua própria identidade.

Invisibilizado evapora.

Então cai como chuva...

Com Rose Rocha (em memória)