FUROR, ARGAMASSA E PUPURINA
Tinha a voz abrupta, desanuviada.
Brotava assustada, diria até estremecida.
Parecia embebida em risos falsos, tortos,
carregada por um suor esquisito e cruel.
Era voz puída, vencida, banida de si mesma.
Suas vértebras padeciam ao luar,
vulneráveis à sina, ao relento do desdém.
Sabia reconhecer meus desatinos,
sabia entreter cada rincão da minha dor.
Era voz que dava pena, dava medo, dar escárnio,
inspirava saltos destronados e solitários.
A encontrei debruçada na gaveta do destino,
alforriada dos seus tentáculos sombrios,
desterrada de cada vintém roubado,
de cada talvez nublado e encardido.
Então a pus no colo, tentando ninar,
talvez redimir do seu pó avesso.
Fui persistente nessa lida,
mas o querer foi placebo, foi aceno tardio.
Nada mais havia a fazer, nem a lamentar.
Peguei a voz e a rasguei em infinitos tecos.
Depois atirei cada toco no revés da razão,
firme e plenamente decidido.
Então pude viver ou morrer,
nada mais faria diferença,
pois meu chão estava vingado,
ofertado à vida com todo furor,
argamassa e purpurina.