TUDO MORRE UM DIA
Vão morrer os achados, os quitutes, as notas musicais.
Vão morrer os reis, os lagos, as pétalas.
Vão morrer os desgostos, os becos, as cicatrizes.
Vão morrer os pecados, as feridas. os afagos.
Vão morrer os passos, os mugidos, os segredos.
Vão morrer os suores, as traças, os porões.
Vão morrer as sinas, as querelas, os sorrisos.
Vão morrer os frutos, os legados, as dores.
Vão morrer os degraus, as raivas, as âncoras.
Vão morrer os queridos, os repugnados, os atrofiados.
Vão morrer os tratos, os afagos, os deslizes.
Vão morrer os bichos, os fados, os sopetões.
Vão morrer os gozos, os empurrões, os torpores.
Vão morrer a fé, o malandro, o carrasco.
Vão morrer as verdades, os truques, os mendigos.
Vão morrer as sarnas, as paqueras, os recheios.
Vão morrer os abonados, os salafrários, os lindos.
Vão morrer os becos, o suor, a razão.
Vão morrer o orvalho, o câncer, o perdão.
Vão morrer os ciganos, os varais, as andorinhas.
Vão morrer o talvez, o medo, a soberba.
Vão morrer os cocheiros, a inteligência, o sono.
Vão morrer os devaneios, as piadas, o fim.
Vão morrer os trocadilhos, as sarnas, os carcereiros.
Vão morrer os ventos, a voz, o adeus.
Vão morrer nós, eles, o que tiver mais.