deixo às manhãs os dentes sisos do outono

na dúvida carrego novembro nas costas

rogo a Deus o milagre do simbolismo

vela acesa num canto da casa

santo de barro com laço de fita do Senhor do Bonfim

três horas de contos de chuva sem revoluções

do mito de Tellus eu nasci dessa Terra

num redemoinho de sopa de ossos

mato a fome dos espíritos de luz

que procuram médiuns cavalheiros ou damas

cheiro de flores, objeto ao chão, fantasmas

a casa é habitada por relógios sem ponteiros

que dizem as horas à sombra da escuridão

tormento é querer ser gigante em terra de anões

na passagem do tempo, o Sol respira opressões

aos pés cansados bacia de água morna

correm os calos dos meus sonhos... sem vontade própria

morrer antes do devaneio corpo e alma desassossegados

estranho é o não-ser do ferro quente a marcar gados

riso é pra quem sabe o que é o sopro além metafísica

eu sou tua deusa mutilada a pentear cabelos

de bonecas de espigas de milhos... cai chuva, cai

 

Rosângela Trajano
Enviado por Rosângela Trajano em 02/02/2023
Código do texto: T7709555
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