VIVER
Vou viver o que tiver que viver
fazer o que ainda puder fazer
e o que não conseguir consumar
vou deixar para depois de viver
Vou me conhecer além dos espelhos
visitar em mim meus interiores vilarejos
ocupar o que estiver despovoado
colher todos os frutos em mim plantados
e voltar a me banhar nos rios do passado
Vou olhar o redor com novos olhares
deslumbrar com as mesmas árvores
reapresentar-me a quem já fui mostrado
transitar por ruelas e travessas inusitadas
e continuar morando na minha cidade
Vou experimentar a vida de outro jeito
andar de lado e meio enviesado
aprender a chutar com o pé esquerdo
mudar as roupas que vesti errado
e me afastar dos antigos pecados
Vou visitar meus antepassados
meus sumidos, meus perdidos
também os evadidos e os desvanecidos
até os já esquecidos e os abandonados
e todos os que não foram em mim sepultados
Quando da vida me fartar
vou surrupiar dela o que puder levar
e vou pro céu azulado do meu Shangri-la
que fica acima da montanha mais alta do Tibete
e olhando o mundo que ficou embaixo
vou viver o resto da vida vivendo
simplesmente e somente de me recordar