GÊNESE

Conheço gritos, antigos de eras, que ninguém soltou,

apenas sons encadeados, crus, perdurando por aí.

Conheço gritos sofridos, capazes de anoitecer os dias,

mesmo os banhados de luz.

Conheço gritos de dor, em vários graus,

nas mãos desperdiçando gestos em vãos chamados.

E nas bocas abertas durante todo um fôlego,

como almas rasgando-se, num silêncio quase tosco.

E na vida que nasce, em alegrias indiscutíveis

de carne torturada arcaicamente, com prazer.

Conheço gritos que duram uma vida,

como destinos cumprindo-se, sem apelo.

Gritos de alegria, enchendo de risadas as manhãs,

como gorjeios de aves agradecendo ao Criador.

E aqueles outros, silenciosos, disfarçados,

escondendo as dores inconfessadas dos medos.

E conheço aqueles gritos todos, do fim da rua,

erguidos na algazarra de meninos como eu fui.

Hoje, os gritos falam-me de solidão,

e queixumes não revelados.

E, perdido nos meus silêncios,

não sei como atendê-los...

Dezembro 2007