O DEUS DAS COISAS MORTAS

Ao futuro depois de mim não chegarei

a imortalidade dura o intervalo permitido

pelo sangue que pulsa em minha carne

No amanhã em que não acordarei

o Sol não me encontrará no quarto

e as roupas penduradas nos cabides

jamais serão por mim utilizadas

Deixarei tudo como tudo estava

nos seus devidos territórios e lugares

enquanto a Terra continuará girando

e criando outros anos e aniversários

Nunca mais irei me rever nos retratos

esses pequenos pedaços de espelhos de papel

onde lá ficaram aos olhares vindouros

todas minhas repentinas eternidades

Aos que hão de vir e chegar

doarei o montante dos objetos colecionados

que durante muitos anos me acompanharam

como vestígios além de mim preservados

Após concluído meu inventário

espalhar-me-ei pelo mundo inteiro

em novos cômodos, quartos e salas

onde serei cultuado pela memória das coisas

quase como se fosse um deus invisível

desconhecido, extinto e esquecido

pelo futuro que chegará depois de mim

quando nem pelos versos serei lembrado

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 07/01/2023
Código do texto: T7689292
Classificação de conteúdo: seguro