DE OLHOS ABERTOS
Múltiplas coisas me incomodavam para dormir:
os gatos que resolviam digladiar nas horas inoportunas;
o vento que soprava, de propósito, a disparar meu coração;
o fiapo de luz, da arandela dos fundos;
o pernilongo faminto das noites quentes;
mas, sobretudo e amiúde, eram meus pensamentos
os causadores da insônia.
Tardei a descobrir.
De olhos abertos,
eu via a noite estender seus lençóis de escuridão sobre o mundo,
meu cérebro, contudo, contraía-se em plasmólise.
Cada sinapse era como trovão a impedir meu sono.
As preocupações desidratavam o princípio de subconsciente
pelo qual jamais era tomado.
Meu espírito circulava pelo quarto,
trombava no guarda-roupas,
inebriava-se com o veneno de mosquitos,
conferia a potência do ar-condicionado cuja
centelha o perseguia pelos quatro cantos,
sem que esmorecesse na paz da quietude.
De olhos bem abertos,
após milhares de mudanças de posição,
com os ombros esmagados pelo peso
do corpo que não se acomodava, e
a cabeça mais embaralhada que cartas de cassino,
levantei-me açodado até o banheiro,
onde esvaziei a bexiga e a tolerância,
abri o armário e ingeri algumas gotas de remédio controlado.
Voltei à cama, meditei acerca do problema,
do perigo desse medicamento,
das possíveis soluções alternativas,
mas já era tarde, minha alma fugira para os braços de Morfeu.
O despertador me ressuscitou às seis da manhã,
levantei com olhos de társio,
prometi a mim manter a regularidade do horário
de sono e procurar um psicólogo.