PROCURA
Abro a primeira, a segunda, a terceira gaveta
Estou à procura de mim entre vestidos e meias, além das peças
Além das roupas ocas, eu à procura de mim.
Leio a primeira, a segunda, a última poesia
Em que eu, a velha poetisa, cria?
Estou à procura das crenças entre versos e rimas e estrofes,
além da forma e do estilo
Intimada e contida no verso, eu à procura da crença.
Tateio uma, duas, as quatro paredes à procura da porta
Abstraio-me no gesto, subtraio-me na vergonha de não encontrá-la,
No escuro me testo
No escuro, a testa na parede e a dor de acertá-la
Eu torta, a vida torta.
Nada de porta.
Digito uma, duas, cento e trinta palavras
E nelas me lavro.
Nelas, lavo-me.
Vou-me nelas.
Singelas ou não.
Estou à procura de mim, mas no silêncio não me acho;
mas no verso não me encontro;
Se me calo, se falo ou se escrevo,
Procuro-me.
Não estou no silêncio, não estou no verso, não estou em mim
Nas gavetas, nada
Nos quintais, idem
Na infinidade, tudo – mas não eu.
Afastei-me da poesia, mas foi à procura de mim.
Não me encontrei, voltei e fiz meu verso
No verso, tentei encontrar-me do início ao fim.