A morte de um tio
Eu não estava lá, mas sei que aconteceu
por um ataque no coração que resultou no fim de sua existência.
Ele almoçava num desses típicos restaurantes
(a sua última refeição foi digna de ser a última?),
acompanhado de uma mulher cuja identidade me é desconhecida até hoje.
Ele administrava uma pequena empresa de tecidos,
logo, acredito que travavam assuntos importantes
relacionados a isso. Você sabe: dinheiro, negócios, planejamento.
As coisas que caracterizam tão firmemente os dias mais irrefletidos e inesperados
em que pianos caem sobre nossas cabeças quentes.
Relataram a mim que, antes de cair no chão, ele implorou,
com fracos gemidos – e forte desespero –:
“me ajuda! me ajuda!! não me deixa ir, por favor!”,
seus olhos estreitos fotografando a paisagem final,
esforçando-se para não fecharem eternamente,
enquanto as mãos trêmulas tateavam a mesa de madeira
e a indiferença do mundo a outro coitado hesitando em atravessar o espelho.
Nada e ninguém foi capaz de salvá-lo naqueles fatídicos minutos,
porque não podemos quebrantar a corrente da morte
quando ela resolve nos puxar direto ao fundo da terra.
Só cabe a nós observar a tranquilidade imputada em seu rosto negro
e o sono mais bonito e confortável que uma pessoa experimenta.
Derramar flores e lágrimas por cima de sua última casa.
Lamentar o precoce infortúnio de uma pessoa que foi tão querida
pelos amigos e familiares.
Relembrar os velhos momentos que, infelizmente,
não podem ser vividos ou tocados outra vez. É tudo muito opaco e cinzento.
No entanto, ainda que o mistério da partida seja doloroso,
a empreitada usual faz com que o luto não dure tempo demais.
Não é fácil lidar com o desaparecimento repentino
de alguém tão presente em nosso cotidiano,
porém, com o tempo, o fato se torna um hábito,
quase como se a pessoa nunca tivesse existido
ou fosse uma espécie de fantasma preso nas molduras da parede –
não implicando, necessariamente, no esquecimento dela.
Prefiro nomear tal fenômeno de “aceitação do próprio futuro”.
Funciona desta forma e não teria como ser de outra.
Epílogo:
e nenhum bicho da natureza morre tão lamentavelmente quanto o ser humano
cheio de rancor e arrependimento e fábulas mentirosas e ossos rudimentares.