A VIDA COMO ESPANTO, ASSOMBRO E ENCANTAMENTO
Espanto-me
como os peixes não morrem afogados
com os músculos das formigas-cortadeiras
com os ouvidos aguçados dos morcegos
e com as sete vidas dos gatos
logo eu que só tenho uma
Admiro
a filosofia concreta das pedras
o jogo de cintura das águas
o gratuito perfume dos lírios
as sombras futuras das sementes
e o peito sempre estufado dos ventos
Encanta-me
a dança parada das cadeiras
a eternidade emoldurada nos retratos
a memória dos livros fechados
o confessionário fiel dos travesseiros
e os fios de cabelos ainda nos pentes encontrados
Assombra-me
as mímicas corporais das sombras
a rapidez demorada dos segundos
a quantidade de gente que cabe na palavra humanidade
que por fora todo mundo seja vulto
e por dentro todo mundo seja diferente
Surpreendo-me
que hoje já seja segunda-feira
daqui a pouco é de novo Natal
como os espelhos envelhecem mais cedo
(em breve teremos outro aniversário)
e que eu esteja atrasado para a imortalidade