LEMBRANÇAS

Todos nos lembramos de coisas

que não existem mais:

um beijo no domingo

que na segunda não é o mesmo

a festa jamais repisada

o resvalar dos pés debaixo da mesa

a primeira viagem de carro

o enterro dos pais

a aliança de noivado

comprada em frente à igreja do Carmo

a centésima quarta briga depois de casado

o morcego que nunca mais entrou

pela janela aberta do quarto

e aquela manhã de 14 de agosto de 1984

Lembranças são sempre de algo passado

como aquela calça rasgada

que você tanto gostava

a hora posterior que não é igual

à hora seguinte da anterior

o instante em que se perdeu a virgindade

o pastel de queijo estragado

a lua de mel com a garganta inflamada

quando o ouvido conheceu Pink Floyd

a ocasião em que ela disse que te amava

a primeira, a segunda, a penúltima broxada

e o macacão azul-claro que ela usava

Lembranças são recordações do que se viveu

que nem aquele dia no Parque Treze de Maio

em que te comprei um balão e o chamei de filho

quando você me disse que estava grávida

dois meses antes de subir ao altar

a indiferença das tias pela minha orfandade

o dia em que alcancei a maioridade

o murro que dei na parede

e fiquei com o dedo quebrado

minhas inúteis saídas de casa

porque sempre para ela voltava

e todas as minhas tantas revoltas

que em tempo algum mudaram nada

E quando este dia for lembrança

vou me lembrar dele fazendo poemas

relembrando momentos da minha vida

e mais uma vez dizendo que te amo

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 04/12/2022
Reeditado em 04/12/2022
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