ENDEREÇO DE ESTAR.

tenho escrito na cabeça, debaixo do cabelo, um endereço.

perto, muito perto, e também tão distante que quase nunca apareço.

uma casa de muitas janelas, sempre abertas, tapetinho na porta e uma lata com espadas-de-são-jorge.

entre um sobrado de aluguel e a discreta morada de uma velhinha cujo nome agora me foge.

se a rua começa numa veia cardíaca, logo deve terminar numa ramificação cerebral qualquer.

e se espalha pelo corpo feito uma erva do mato com espinhos aderentes e doçura de sidra Cereser.

tenho escrito na cabeça, debaixo do cabelo, um endereço.

tão meu quanto minha própria nudez que dele amiúde me esqueço.

é uma casa pequena, caiada de azul, onde há lesmas, aranhas e formigas.

e um telhadinho de meia água, brotado de musgo nas telhas antigas.

mas com muitas janelas, sempre abertas, para que entre o sol e saia a lembrança.

fechando bem os olhos, pode-se ainda ouvir o zoar de crianças.