DESCARNAVAL
De onde vem a voz que te convence?
De onde vem o desejo que te consome?
De onde vem a pedra que você atira?
De onde vem o medo que te tira o sono?
A quem serve a voz que te comanda?
A quem interessa o corpo que apedrejas?
A quem agradecer o prato servido de fome?
A quem o espetáculo interessa a catarse?
Quem disse que seu lugar tem medidas?
Quem condenou seu desejo sem freio?
Quem fez o muro que te impede o mundo?
Quem inventou a régua que te faz menor?
Eu passo na encruzilhada onde se planta oferenda,
eu atravesso a avenida onde o luxo é de cetim barato.
Eu entro nas casas, onde a porta se abre na botina,
sou proibido onde quem manda é o poder sem nome.
Homem que manda faz Deus de ouro e porcelana.
Jesus não entra por porta blindada e fechadura lacrada.
Eu vejo o açoite, o espinho, o pão e água,
onde bebem os cães, os ratos e os farrapos de carne.
Quem te mandou ser desse lugar sem vida alguma?
A quem importa tua morte à beira da estrada?
Quanto da poeira, não mais sai de seus poros,
quanto do trabalho, te torna ainda gente escravizada?