O símbolo quixotesco
Creio no silêncio profundo,
na folha em branco antes do azul.
no riso antes do verso.
Creio na máquina do mundo,
no fuso imóvel das esferas,
ancoradouro e vértice de tudo.
Creio que a excelência do fruto
não extravasa a da semente.
Que o efeito não foge à causa.
Creio no amor absurdo,
motor primeiro necessário
do tempo e da causalidade.
Creio no evangelho absoluto,
no verbo inaudito debaixo do sol.
No acontecimento singular.
Creio que a ação da palavra
é força sobrenatural.
Que a chave mestra do espírito
destranca a mansão dos mortos,
e regurgita a ovelha
dos gorgomilos do leão.
Creio no império do óbvio:
que a grama é verde neste inferno;
que do céu não cai feijão;
alimentar Moloch é crime;
xis é xis e não é ypsilon;
e ypsilon jamais será zê.
Creio na capa e na espada,
no alento ao órfão e à viúva,
na compaixão pelos fracos.
Creio na memória presa,
sondando arcanas profecias.
Que sete anos não são seis,
mas também não são oito.
Que o regozijo te espera
nos arrebóis do purgatório.
Creio que a beleza cura...
Que o eclipse do sol é provisório;
que dois mais dois são quatro, amém.
(21/11/2022)