A NOITE PÓSTERA

Na noite vindoura

vou fazer o que esta noite não faço

ligar para um amigo abandonado

rezar aos santos desencaminhados

e colar os cacos do vaso quebrado

Na noite do amanhã do agora

vou abrir o guarda-roupas fechado

deixar sair meus monstros guardados

recolher as sementes de feijão espalhadas

pelas estradas que com elas marquei

Na noite próxima que vier

irei conversar com todos os fantasmas

perdoar meus mortos por terem partido

deixar de pecar os pecados não pecados

e terminar o livro que ainda não comecei

Na noite seguinte que me espera

haverei de me despir das encobertas

tirar a máscara que está apertada

rasgar o script que não escrevi

retirar os sapatos e aliviar os calos

Na noite que de hoje for imediata

descerei do palco a sair por aí

quem nem um louco desembestado

solto, livre e desacorrentado

feliz com a anistia que eu próprio me dei

Na noite que ainda há de vir

quero estar vivo, insone e acordado

e não deixar de mim mesmo me aplaudir

e depois podem fechar a cortina

que o espetáculo foi encerrado

e o palco já vai estar decerto vazio

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 17/11/2022
Reeditado em 18/11/2022
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