A NOITE PÓSTERA
Na noite vindoura
vou fazer o que esta noite não faço
ligar para um amigo abandonado
rezar aos santos desencaminhados
e colar os cacos do vaso quebrado
Na noite do amanhã do agora
vou abrir o guarda-roupas fechado
deixar sair meus monstros guardados
recolher as sementes de feijão espalhadas
pelas estradas que com elas marquei
Na noite próxima que vier
irei conversar com todos os fantasmas
perdoar meus mortos por terem partido
deixar de pecar os pecados não pecados
e terminar o livro que ainda não comecei
Na noite seguinte que me espera
haverei de me despir das encobertas
tirar a máscara que está apertada
rasgar o script que não escrevi
retirar os sapatos e aliviar os calos
Na noite que de hoje for imediata
descerei do palco a sair por aí
quem nem um louco desembestado
solto, livre e desacorrentado
feliz com a anistia que eu próprio me dei
Na noite que ainda há de vir
quero estar vivo, insone e acordado
e não deixar de mim mesmo me aplaudir
e depois podem fechar a cortina
que o espetáculo foi encerrado
e o palco já vai estar decerto vazio