MANIFESTO ANTIPOÉTICO

Quero a poesia profunda

a das hemácias

a das palavras chulas

e a oculta nas solas dos sapatos

Quero a poesia suja

pelos batons das prostitutas

pelas mãos dos mendigos

e pelo lodo salgado dos manguezais

Quero a poesia sombria

pelos sustos das madrugadas

pelos assombros dos cemitérios

e pelo silêncio que vem do nada

Quero a poesia dos embriagados

da interminável boemia dos bares

do cheiro urinado dos postes

e dos dejetos humanos nas calçadas

Quero a poesia dos opostos

dos contrários das flores

dos adversos dos versos

e do antilirismo dos amores

Quero a poesia das febres

dos delírios dos alucinados

do fogo dos apaixonados

e das chamas queimantes dos cigarros

Quero a poesia imperfeita

da incompletude das almas

da fome insaciável dos desejos

e das rimas mancas tropeçadas

Quero a poesia ácida das salivas

dos orgasmos sufocados nos quartos

dos beijos clandestinos roubados

e da aridez solar dos sertões nordestinos

Quero a poesia triste dos melancólicos

do risco que vem da navalha

do voar dos anjos desesperados

e dos soluços molhados dos abandonados

Quero a poesia com sabor de groselha

misturada em litros de leites coalhados

com pitadas amargas de sonhos frustrados

e com o odor exalado dos centros das cidades

Quero a poesia de cabeça para baixo

que me revele também o outro lado

que esbofeteie meu rosto lavado

e que me rompa os véus e os disfarces

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 10/11/2022
Reeditado em 11/11/2022
Código do texto: T7647034
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