MANIFESTO ANTIPOÉTICO
Quero a poesia profunda
a das hemácias
a das palavras chulas
e a oculta nas solas dos sapatos
Quero a poesia suja
pelos batons das prostitutas
pelas mãos dos mendigos
e pelo lodo salgado dos manguezais
Quero a poesia sombria
pelos sustos das madrugadas
pelos assombros dos cemitérios
e pelo silêncio que vem do nada
Quero a poesia dos embriagados
da interminável boemia dos bares
do cheiro urinado dos postes
e dos dejetos humanos nas calçadas
Quero a poesia dos opostos
dos contrários das flores
dos adversos dos versos
e do antilirismo dos amores
Quero a poesia das febres
dos delírios dos alucinados
do fogo dos apaixonados
e das chamas queimantes dos cigarros
Quero a poesia imperfeita
da incompletude das almas
da fome insaciável dos desejos
e das rimas mancas tropeçadas
Quero a poesia ácida das salivas
dos orgasmos sufocados nos quartos
dos beijos clandestinos roubados
e da aridez solar dos sertões nordestinos
Quero a poesia triste dos melancólicos
do risco que vem da navalha
do voar dos anjos desesperados
e dos soluços molhados dos abandonados
Quero a poesia com sabor de groselha
misturada em litros de leites coalhados
com pitadas amargas de sonhos frustrados
e com o odor exalado dos centros das cidades
Quero a poesia de cabeça para baixo
que me revele também o outro lado
que esbofeteie meu rosto lavado
e que me rompa os véus e os disfarces