Já não posso ser amanhã

Essa gente medrosa, manhosa, maldosa

com suas pieguices, autopiedades,

pessimismos insuportáveis

que diz que tem medo de falar

mas, na verdade, não fala porque não sabe

Desconfio de quem diz que a vida é ruim

e a mastiga como uma goma grudando

nas frestas do dente porque tem nojo do sabor

a vida exige muito pouco da gente

ela só diz: viva! O controle, egoísmo

e expectativas que geram dores

Essa gente calada, que não dão a cara a tapa

morrem de medo de morrer, mas não de não viver

empurram os dias com a barriga e depois se perguntam

porque não chegaram a lugar algum

não percebem suas manobras repetitivas

estão sempre em busca do tempo,

templo perdido, chorando pecados

a outros pecadores

que Deus não liga, ele nos fez como queria

Gosto de incomodar, desagradar, transgredir

podem me difamar o quanto quiserem

mas jamais dirão, em um minuto sequer,

que menti sobre quem era, só consigo ser eu

e ninguém mais, mesmo que mude depois

quando lágrimas chegam

digo: “e daí?”

o segredo não é permanecer em pé

é saber cair, sou forte demais para fingir não sentir

Você poderia quebrar minhas pernas

mas ainda assim eu não me curvaria

pois, crio asas pra me levantar

poderia atentar contra o meu coração

ele não é de ferro, é de carne, molinho

sangra, mas uma hora se regenera

a minha força está em cada nervo da sensibilidade

não espero o tempo melhorar

gosto da chuva e a deixo molhar

Já tive vergonha do meu nome,

“Maria é nome de mulher comum” — diziam

pois me dei ao luxo de ser a mulher mais comum que já conheci na vida

você me verá em muitos lugares, bares e pares

por que sou como todas? Talvez, mas principalmente

porque não me limito em momento algum

tenho muitas caras, ações, faço tudo e mais um pouco

Escrever é meu processo de cura

adoeço na mudez

tenho necessidade de falar, falar e falar

quando não falo, a garganta inflama

dizem que é doença do corpo,

digo que é doença da alma

antes de ser escritora, precisei corrigir minha biografia,

pois não havia um livro sequer disposto a conhecer minha história

quando me ensinaram o alfabeto vi que tinha

o mundo todo nas mãos

Já não posso ser amanhã, tenho fome de agora

se num minuto resisto, num instante explodo

sempre tento e quando encontro a tecla certa bato até quebrar

vou comigo até o fim da linha

sou muitas, em poucas estou

já não lembro mais quem eu era

não me cobre pelo ontem

sou inconstante, incontrolável e

inocente dos personagens que já fui

porque jamais me releio, escrevo e jogo fora

outros personagens e histórias sempre virão.