ANTES DE IR EMBORA

Vou comer com a boca dos livros

mastigando cada instante

com os dentes afiados das palavras

Vou sorver os segundos ocultos

por detrás dos minutos

tragando-os ao interior dos pulmões

no inalar das lembranças vindouras

Vou fotografar o piar dos pássaros

que a mão do vento aos ouvidos me traz

como uma esponja a absorver o mar

Vou beber o mundo que me cerca

e me embriagar de extremo gozo

na vertigem do dia que me encobre

Vou tatear as paredes do tempo

seguindo o destino das portas

e percorrer os corredores da vida

até onde eles lá se encerram

Vou mergulhar no céu que me encobre

e nadar com as nuvens entre horizontes

tornando-me anjo antes da hora

Vou cheirar o aroma do invisível

sentindo o sabor do oxigênio

vendo o amanhã que se forma

no formar do breve ontem

que carrego e mais adiante levo

Vou colher das árvores que plantei

em sítios que já não existem mais

os frutos com cujas sementes semearei

os desertos em que meus netos irão pisar

E quando tudo isso tiver passado

e não houver em mim passados

vou para o celeiro das almas

ler os versos que foram por mim

aqui deixados

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 05/11/2022
Reeditado em 05/11/2022
Código do texto: T7643228
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