Carta ao ser ido .

Pai , hoje queria o colo teu

Um peito para repousar a mente cansada

Um abraço capaz de sufocar minha decepção

Fui longe , muito longe

Conquistei coisas e pessoas

Vivi de certa forma como quis

Porém a paz fugiu de mim em algum momento

E me perdi na pequenez de me achar grande

Pai , queria ver os teus olhos marejados de amor sobre mim

O peito estufado de orgulho

Aquele orgulho , quando me vistes caminhar pela primeira vez

Aquele olhar , quando teu primeiro neto chegou da maternidade , como embrulhado para presente...

Tens uma neta , que não chegastes a conhecer

Hoje tem 12 anos , e traz no sorriso uma beleza sem igual

Uma flor , no meio de tantas frustrações .

Partistes quando ainda era semente, não pudestes ver o desabrochar desta humana poesia .

Enquanto aos outros dois , aqueles com quem brincastes... Estão homens

São duas jóias raras, o mais novo parece muito contigo , nas afeições e na seriedade, o mais velho eu não sei, é um ser ainda indecifrável , porém cheio de sonhos e planos para o futuro, quer ser policial ... Eu já quis um dia também .

A mãe ainda é como sempre foi , parece que não envelheceu , matem os mesmos hábitos, novelas e fumo no cachimbo, vez por outra fala de ti.

Não sei se com mágoa ou saudades ...não sei , não pergunto , o mundo dela é só dela... As vezes se perde em meio as costuras da máquina Singer , não sei se está aqui ou em outra dimensão ...

Ah pai ...

Queria poder te dizer tanta coisa

Mas sobre tudo me desculpar

Por não ter sido tão honrado quanto fostes...

Por não ter sido um bom filho , e por consequência também não ter sido bom pai, também não consegui ser um bom marido .

As mulheres vem e vão na minha vida , não ficam , meu ego é grande demais, as vezes nem eu me suporto .

Mas algumas marcaram como tatuagens aqui dentro e outras ainda tenho amizade ... A tua cadeira de balanço ainda resiste ao tempo , e hoje fazemos rodízio nas noites de calor , no mesmo pátio, sob a mesma lua que tanto admirastes.

Ah meu velho , como eu queria teu abraço ...

Não sei se me ouves , os mortos guardam um silêncio duvidoso

Mas talvez possas sentir , onde quer que estejas a minha vontade te ver

Só mais uma vez,

Meu velho amigo .

Martins júnior
Enviado por Martins júnior em 30/10/2022
Reeditado em 30/03/2024
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