Tarde
É mesmo tarde; tempo de depuração.
As palavras caem lavando o chão da casa empoeirada
Os cães uivando alhures arranham a penumbra
E já vão tomando novas formas os objetos crepusculares.
Os tons da lua refletida no lago se aprofundam em turbilhões espiralados
A noite exibe sua cauda espalhada pela escuridão
E as palavras deste poema se debruçam como um véu
Um cobertor de sonhos que desliza entre as frestas das coxas
De alguém que não já sou; súbito, um outro me toma.
É mesmo tarde; tempo de destituição.
A cintilância de teus olhos petrolíferos penetra o espaço destes versos
E tudo está manchado, tudo são negras manchas reluzentes em contraste
Com a claridade do dia, que já vem chegando
Inundando nossas pálpebras encobertas.
É mesmo tarde, tão logo o alvorecer se descortinará
E não sabemos ainda o que fazer dele:
O dia de amanhã, atravancado no horizonte.