A UM ROUXINOL ACORRENTADO
(Ao Sérgio Godinho, músico e cantor, no dia em que foi preso no Brasil,
falsamente acusado de posse de droga)
Rapaz feio de olhos enamorados
mastigando o silêncio rua acima,
trovador de calçadas ciciadas,
marinheiro de naufragadas noites,
quantas horas antigas dormiste
abraçado ao arrepio do sono?
Passaste espalmado entre as vagas e a rocha,
zuniste por trás do pesadelo,
saltaste a fogueira e não te queimaste
(a não ser por dentro),
fizeste negaças, de longe, às sombras
que tornavam o dia cada vez mais noite.
Percorreste o túnel sem adormecer no escuro,
dedilhaste na viola as certezas
que eram o sol lá no fundo.
Subitamente, surgiste ao nosso lado
a sorrir, com a manhã já liberta,
e instalaste-te no meio da rua
sem medo de ter medo.
Depois, um rouxinol assobiou
e partiste de novo pelos verdes ramos.
E voltaste a partir
e a regressar.
Eis senão quando, de repente...
Ah, pássaro matreiro que ninguém caçou,
ah, marinheiro que em nenhum mar naufragou,
voz rebelde que nunca se calou,
quem foi que te prendeu, quando o ar já era calmo?
Diz-me, que se passou?
(Lagarto pintado, quem te pintou?)
Ai, quanto rancor dormita por aí debaixo das cinzas!
Quanto ódio acumulado à volta da praia!
Quantos lobos espreitam sob as moitas floridas!
Rapaz mau, que viajaste toda a noite
sem bilhete,
não voltarás a pregar olho enquanto não pagares.
Agora tudo está alerta. Os fantasmas,
os porteiros, os lobos, os administradores
estão à tua espera com a factura em riste.
Alto! Não podes passar! Chegou a hora!
Seja como for, chegou a hora!
Atabalhoadamente chegou a hora!
Chegou (querem lá saber) a hora!
Chegou a hora, pronto! E atiraram-te aos cães.
Tardiamente, bem tardiamente,
sentiste queimar na pele
a última canção de navegar.
(Ao Sérgio Godinho, músico e cantor, no dia em que foi preso no Brasil,
falsamente acusado de posse de droga)
Rapaz feio de olhos enamorados
mastigando o silêncio rua acima,
trovador de calçadas ciciadas,
marinheiro de naufragadas noites,
quantas horas antigas dormiste
abraçado ao arrepio do sono?
Passaste espalmado entre as vagas e a rocha,
zuniste por trás do pesadelo,
saltaste a fogueira e não te queimaste
(a não ser por dentro),
fizeste negaças, de longe, às sombras
que tornavam o dia cada vez mais noite.
Percorreste o túnel sem adormecer no escuro,
dedilhaste na viola as certezas
que eram o sol lá no fundo.
Subitamente, surgiste ao nosso lado
a sorrir, com a manhã já liberta,
e instalaste-te no meio da rua
sem medo de ter medo.
Depois, um rouxinol assobiou
e partiste de novo pelos verdes ramos.
E voltaste a partir
e a regressar.
Eis senão quando, de repente...
Ah, pássaro matreiro que ninguém caçou,
ah, marinheiro que em nenhum mar naufragou,
voz rebelde que nunca se calou,
quem foi que te prendeu, quando o ar já era calmo?
Diz-me, que se passou?
(Lagarto pintado, quem te pintou?)
Ai, quanto rancor dormita por aí debaixo das cinzas!
Quanto ódio acumulado à volta da praia!
Quantos lobos espreitam sob as moitas floridas!
Rapaz mau, que viajaste toda a noite
sem bilhete,
não voltarás a pregar olho enquanto não pagares.
Agora tudo está alerta. Os fantasmas,
os porteiros, os lobos, os administradores
estão à tua espera com a factura em riste.
Alto! Não podes passar! Chegou a hora!
Seja como for, chegou a hora!
Atabalhoadamente chegou a hora!
Chegou (querem lá saber) a hora!
Chegou a hora, pronto! E atiraram-te aos cães.
Tardiamente, bem tardiamente,
sentiste queimar na pele
a última canção de navegar.