COMO DISSE CÍCERO DIAS*
Não sou judeu ou palestino
ariano, asiático ou caucasiano
eu sou brasileiro e do Brasil
eu sou é muito nordestino
Do Nordeste não sou baiano
cearense, potiguar ou paraibano
eu sou pernambucano e de Pernambuco
eu sou feito de mar e de mar
eu sou é muito litorâneo
Meu litoral é recifense
e de todas as águas que lhe são adjacentes
e se até hoje não morri afogado
é que aprendi a boiar sobre sal e sargaços
e a nadar pegando sarrabulhos
perfurando vagas e ondas ziguezagueando
Atravessei tardes como quem atravessa pontes
e sobre pontes atravessei madrugadas
que em Recife são mais prolongadas
feito rios banhando siris, camarões
caranguejos, guaiamuns e oceanos
Sou mameluco, caboclo e mulato
sou do bairro de Santo Amaro
das ruas do Sossego, da Aurora,
da União, dos Palmares e da Soledade
sou do Parque Treze de Maio
e do cemitério central da cidade
Se Deus for brasileiro
é nordestino e pernambucano
e o mundo nasceu no Recife
e todos somos recifenses
alguns apenas ainda não sabem
“Mas não houve dia
em que te não sentisse
dentro de mim:
nos ossos, nos olhos,
nos ouvidos,
no sangue, na carne,
Recife.”
(Manuel Bandeira)
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(*) Cícero Dias (1907-2003) foi um pintor pernambucano, desenhista e ilustrador brasileiro, grande representante da pintura modernista do Brasil. É autor do painel “Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife”, obra que irrompeu o cenário modernista no país.