MONSARAZ

(Monsaraz, povoação encerrada dentro das muralhas do castelo medieval, onde os senhores feudais recusaram durante muito tempo sujeitar-se ao poder real centralizado. Os servos que fugiam, para escapar às severas punições, refugiavam-se nas terras do Rei, os reguengos, onde os Senhores não podiam ir persegui-los. Posteriormente o poder real teve de passar a exercer-se a partir de nova povoação, que é hoje a sede do município: Reguengos de Monsaraz. A velha cidade-castelo continua, no alto do monte, a ostentar as características medievais para deleite dos turistas que a visitam)



No pó estão impressos os passos
dos velhos guerreiros cansados.
Ninguém os vê, mas sabe-se
que dormem atrás das muralhas.

São de vidro os olhos fundos
das velhas sentadas
com os dedos retorcidos em riste
--velhos fusos fiando a lã dos séculos.

Ninguém viu a face austera
do Grande Senhor,
mas ele está presente
com um azourrague de medo
atrás de cada oliveira.

Tudo está conforme - o pelourinho, a missa
na Igreja Matriz, o fantasma
de Nun'Álvares rindo na cal do muro
e o açoite no servo
que faltou ao tributo.

E quando o Sol se esconde
lá longe, onde ninguém sabe,
as velhas diluem-se no escuro
e os olhos das corujas
tomam conta da noite.

O vento circula repetindo-se
entre o Castelo e o sino
em rodopios de bronze.
Soam badaladas de fome
à medida que os braços caem.

Um a um, os homens sacodem
a teia de aranha
e partem, de manhã,
rolando como pedras pela encosta
em busca duma esperança.

Monsaraz resiste, imperturbável,
no alto do silêncio
e os homens, que regressam assustados,
entram furtivos e descalços
para não acordar o tempo.
CARLOS DOMINGOS
Enviado por CARLOS DOMINGOS em 25/11/2005
Reeditado em 25/11/2005
Código do texto: T76334