Rituais
Marie olha para o espelho e vê um fantasma
Não, não é ela por trás dos olhos azuis
Alguém se apoderou de seu corpo e plasma
e a vestiu com aqueles segredos e lágrimas de blues.
Ela maquia seu rosto para esconder seus medos
e olha para o lugar onde um coração costumava bater enredos
A pobre coisa sofredora não está mais sendo incomodada em vão.
Ela se tornou a rainha de suas emoções traquinas
Livre, finalmente, de histórias de amor de segunda mão
repetidas todos os dias em “queridas” colunas femininas.
Lá vai ela, à procura das alegrias das noites marinhas
cansada de medir-se nos olhos de outra pessoa.
Depois de umas cervejas, conversas vazias e mentirinhas
a mesmice do bar se projeta na luz e nas paredes ressoa.
E cansada ela retorna, ainda faltando algo, como uma cicatriz
Entra em seu quarto e liga a TV
“Como ficaria linda no vestido daquela atriz!”
Queria ser aquela mulher se ainda pudesse ela mesma ser
mas a impossibilidade das realidades no humor do modo subjuntivo
a deixa mal humorada, e remotamente controlada, sem se conter
apaga a imagem na tela num gesto compulsivo.
Flashes de anos adolescentes invadem seus pensamentos sobre mundos de simulacros.
Ela tinha se esquecido das aparências de outrora
Nenhuma mudança perceptível ocorreu em sua alma ou em seus ritos sacros
Só o seu corpo se recusa a notar o fato e a nova aurora.
Ela cai num sono de nostalgia secular
e sonha com um reino à beira-mar.
(Publicado em "Paisagens interiores", Editora Patuá, 2021)