REFLEXÃO

ANDRADE JORGE

No tempo inexorável dei um tempo,

assoprei o pó

com firmeza e certeza,

no umbral do portal

alucinei-me na linha da refinada reflexão,

desatei o nó do contra e do pró,

alma pronta,

espírito desarmado liberei o intimo,

desnudei-me pra refletir;

Virei a gélida esquina

da vida,

aonde fui menino, fui menina,

riso e dor,

vítima e réu,

herói e vilão,

seqüestrado e seqüestrador,

bandido-mocinho furtivo,

cativo errante ao relento do léu,

fui o vírus e o soro lenitivo;

Sob o céu da angústia e esperança,

chorei, amei, desamei,

hoje reflito fatos, aparatos, pactos...

Distratos e desacatos

lançados em arenas nada serenas,

quando senti ânsia da vida

vomitei as maldades e falsidades,

regurgitei do ontem

a química da ardilosa brandura

contida na escarnecida ternura;

Ah! Tempo que faz pensar

e sentir querelas e mazelas

das doidivanas donzelas,

que urdiram e teceram

o manto fosco,

mortalha para os sonhos que feneceram;

digitalizo o meu conflito

desvendando a máscara do rosto tosco

da densa ironia;

Camaleônicamente disfarço-me nessa reflexão,

porque representa a insurgência do grito,

triste alegria

do único e intricado amor

que cristalinamente riscou meu coração.

02/11/07

ANDRADE JORGE