NA PERIFERIA DO UNIVERSO
No subúrbio do Universo onde moro
sou litorâneo e por isso aprendi amar
os arrecifes, as sereias e o mar
Cresci entre siris, tatuís e peixinhos
brincando com Netunos e Iemanjás
pegando jacarés com as ondas
até meu peito na areia roçar
Fui feito de sol, sargaço e sal
e meus pés viviam manchados de piches
que depois dava um trabalho danado limpar
para no outro dia voltar mais uma vez a sujar
Desde cedo comecei boiar e nadar
e isso foi ao menino muito bom
pois ensinou ao adulto a flutuar e rebolar
Meus cabelos viviam assanhados pelo vento
que vinha da África que ficava no outro lado
do horizonte em que eu olhava as jangadas
deslizando rumo ao fundo lá do alto-mar
De tatus, cabras e roças eu não sei nada
e de tudo que plantei na vida
foi só aquele caroço de feijão no algodão
que deixei em cima da varanda crescer como eu
bronzeado de muito sol e molhado de tanto sal
Se eu tivesse nascido português feito meu avô
ia pegar uma caravela e atravessar o Atlântico
e aqui em Pernambuco logo aportar
onde meu pai que era intelectual mulato
me ensinou a ler Gilberto Freyre, Joaquim Nabuco
Solidônio Leite, João Cabral de Melo Neto
Ascenso Ferreira, Josué de Castro, Manuel Bandeira
e Carlos Pena Filho de quem foi amigo
e, como ele, poeta, escritor, jornalista e companheiro
No subúrbio do universo onde moro
sou praieiro e por isso aprendi amar
andar descalço e sem meia
comer patola de caranguejo
cerveja gelada e ser festeiro
no luau das noites de lua cheia
“Eu sou mameluco,
sou de Casa Forte
sou de Pernambuco,
eu sou o Leão do Norte”
(Lenine)