QUANDO DESCOBRI QUE EU NÃO ERA CASO PSICANALÍTICO


Quando descobri que não era caso psicanalítico
já era tarde demais para fazer psicanálise
ou qualquer um de seus afins ortodoxos.

A vida, minha doença
e minha cura
sempre precárias...
sempre provisórias...
sempre sem nenhuma certeza...
por isso cheguei a me julgar poeta
por isso escrevo isso que escrevo neste instante
sem parar para pensar nisso
que escrevo neste instante
e ofereço àquela que não pude
nem posso nunca ser: mestra,
eu, sempre a mestra de Nada.

O que fingi que fui
pela reação de alguns
parece-me que fingi muito bem
até para mim mesma
- urge que o admita.

Meu caso não para psicanálise e seus afluentes
rios caudalosos de competência, claro,
mas, eu precisaria, talvez, fazer uma regressão
um processo regressivo
a talvez vidas passadas
o que talvez explicasse alguma coisa
coisa que não ouso
por medo
e também porque
se o fizesse, temo
tal processo interferisse
ainda que em nível mínimo
em outras vidas
e isso
meu sentido ético e moral
não me permite

então, essa libriana com ascendente áries
que não sabe cuidar nem de si nem do outro
que vive como se não vivesse
e se fantasia de 'si-mesma'
como se isso fosse alguma coisa
essa criatura que não sabe nada do Presente
nem tem antevisões quaisquer
do Futuro
e já não sabe mais o que dizer
do Passado

essa criatura que ainda pertence
o possível de pertencimento
a alguns
iguais ou quase iguais de sina
e fado e semelhança

essa criatura
que pede perdão por tudo
sem saber a quem pede perdão por tudo
nem pelo que pede perdão

essa criatura
que resiste ainda
sem saber por quê
nem para quê
resiste, ainda.

RESISTAMOS,
AMADOS MEUS.

Nota. Texto de outubro de 2020.