PROCURA-SE UM POEMA

Quero um poema que me leia

que me traduza por dentro

vendo meus ocultos escuros

ouvindo os inaudíveis sussurros

colocando versos onde não me entendo

Um poema que me desnude

ao me vestir de palavras

e que me revele sem pudor

acanhamento ou qualquer comedimento

o que se passa neste minúsculo espaço

dissimulado em que respiro no interior

dos meus impalpáveis abafamentos

Quero um poema que me detalhe

além das carrancas e dos frontes

que me pinte em virgens espelhos

onde possa mirar minha outra face invertida

nas manhãs em que sonho estar dormindo

no mesmo instante em que estiver me despindo

Um poema que fale de mim

sem se preocupar com métricas ou rimas

que me verse com a boca que tenho

que me retire do peito a emoção

que sacuda a poeira guardada no chão

dos subsolos dos escombros que restaram

e que nem os cupins do tempo comeram

Quero um poema que me abarque

que me englobe e dialogue

com meus dispersados lados

com os tantos eus encontrados

até com os que não foram ainda achados

e que juntos bailemos de rostos colados

por todo o salão que a vida tiver me reservado

Procuro, então, por esse poema

que com as mãos se escreva masculino

mas com a alma se conceba feminino

e que aglutine todos meus pedaços

em um único e só transitório curto retrato

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 04/10/2022
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