PROCURA-SE UM POEMA
Quero um poema que me leia
que me traduza por dentro
vendo meus ocultos escuros
ouvindo os inaudíveis sussurros
colocando versos onde não me entendo
Um poema que me desnude
ao me vestir de palavras
e que me revele sem pudor
acanhamento ou qualquer comedimento
o que se passa neste minúsculo espaço
dissimulado em que respiro no interior
dos meus impalpáveis abafamentos
Quero um poema que me detalhe
além das carrancas e dos frontes
que me pinte em virgens espelhos
onde possa mirar minha outra face invertida
nas manhãs em que sonho estar dormindo
no mesmo instante em que estiver me despindo
Um poema que fale de mim
sem se preocupar com métricas ou rimas
que me verse com a boca que tenho
que me retire do peito a emoção
que sacuda a poeira guardada no chão
dos subsolos dos escombros que restaram
e que nem os cupins do tempo comeram
Quero um poema que me abarque
que me englobe e dialogue
com meus dispersados lados
com os tantos eus encontrados
até com os que não foram ainda achados
e que juntos bailemos de rostos colados
por todo o salão que a vida tiver me reservado
Procuro, então, por esse poema
que com as mãos se escreva masculino
mas com a alma se conceba feminino
e que aglutine todos meus pedaços
em um único e só transitório curto retrato