QUERELAS AZUIS
Era apenas um chão, um tanto carcomido,
um tanto ressabiado, um tanto remido.
Ficou me olhando assim, de canto de olho,
como se quisesse entender a que vim.
Chão aconchegado, aflito, áspero diria.
Mas de ventosas aguerridas, austeras, por que não?
Fui me aproximando receando das suas fuligens,
do seu desdém. Tinha medo de que regurgitasse,
que fugisse de mim, que revoasse a fundo perdido.
Chão rançoso, assobiando algo que fazia
menção ao frio, ao distante, ao coalhado.
Começou a ditar uma carta, daquelas que não
acabavam nunca. Ficou um inferno.
Tinha pele clara, e cheiro de vazio, cheio de querelas azuis.
Foi quando atentei à revoada de riscos e rabiscos.
Milhões deles, alvoroçados e febris. Parcos e bons.
Ficaram assim fitando com ar sério, desmascarado.
O que era chão ficou vão, ficou tão, ficou mãe.
Me acudiu numa benção tresloucada, de andarilho
com barba e sonhos por fazer, por entreter.
No bolso do esgarçado colete, havia um bilhete.
Fingindo não ser comigo, fui lê-lo.
Daí aconteceu. Como aconteceu.
O chão que se dizia parco e inerte, acordou.
Pegou nos braços e sacudiu meus miolos até Deus
pedir trégua, pedir sei-lá-mais-o-quê.
Então desamarrei a alma até que esquecesse dos
voláteis comichões, dos desmamados porões.
Voltou a ser um chão, apenas um carcomido,
apenas ressabiado e remido chão.
E nada mais.