À moda Adélia Prado
Entre almoços de domingo,
bolos e cafés fumegantes,
encontro conforto, propósito.
De mim, distraio-me.
Abafo os teimosos pensamentos
com o apito da chaleira.
Raspo a sujeira dos pratos
como quem arranca as cascas das chagas do corpo.
Desce pelo ralo a água da louça suja,
que consigo leva as ilusões de anteontem,
de há dois meses, de há dois anos.
Espano, cautelosa, a mobília.
Receio encontrar cartões velhos ou retratos.
Temo a violência das lembranças.
Calejada, resguardo-me, evito os gatilhos.
Deixo em paz os ausentes.
Não convém remexer baús empoeirados nem águas assentadas.
Contribuição do poeta Jota Garcia, que tanto enriquece minha experiência aqui no Recanto:
VELHAS MEMÓRIAS
Velhas memórias de um triste passado,
Melhor que não as despertes agora.
Pode ser que não seja a melhor hora
De mexer naquilo que foi guardado.
Se te deixam ferido, magoado,
Algumas marcas seguem tempo afora.
Um ferimento nunca vai embora,
E sempre sangra quando é tocado.
Nem abre a velha caixa que as guarda
Da visão de algum olhar curioso.
Mantém a distância, fica afastado,
As más lembranças podem machucar.
São bombas de efeito danoso,
À simples visão podem detonar.