ÁLIBIS FEBRIS

As gotas de suor escorriam calidamente, anonimamente

Eram gotas valentes numa cruzada alucinada

Traziam uma empáfia tosca, desacelerada, arretada

Por vezes arriscavam um voo mais voraz, mais áspero

Mas seu cabresto cruel as freava sem hesitar

Gotas que entendiam meus medos como ninguém

Sabiam dos becos encardidos que guardava há séculos

E daquelas farsas abruptas, as tais criptas aflitas

Se faziam passar por gotas puídas, surradas

Se faziam ser incautas ciladas, atônitos álibis febris

Mas o tempo, dono de tudo, se fazia retinto, desacuado

Se dizia de passo austero, contido, comedido

Então me vi cravado nessas gotas, cravado pra valer

Chamei pela minha mãe, pelo meu Deus, e nada

Via saindo delas legiões de famintos zumbis

E desparafusados foliões barrigudos, desgarrados de mim

Via escorrendo delas as fantasias que temi untar

Via saindo delas as partes da alma que tanto repeli

Tanto excomunguei, tanto fingi aglutinar

Daí me fiz chorar, esvaindo uma cachoeira de dor atroz

Foi quando as gotas de suor se deram conta de mim

E se rebelaram daquela rasgada alegoria com raça, com bênção

Então só me restava render-me às sua sede, ao seu furor

Então só me cabia desanuviar aqueles sôfregos e desafinados chãos

Daí peguei cada gota pela mão e trouxe para o meu colo

Tirei um peito e lhe dei meu melhor leite, a mais apetitosa seiva

E dormi, quem sabe até morri, em paz

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 21/09/2022
Reeditado em 22/09/2022
Código do texto: T7611441
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.