BALANÇO

desembrulhei coisas de panos e rendas,

pedrinhas de quintal, conchas do mar,

papéis de bala, lembrança das merendas,

e um amor não correspondido que custa a cicatrizar.

destampei caixas de sonhos e lendas,

planos do que fazer quando fosse grande.

ceias de paz e pequenas contendas,

o quebrar de vidraças com pedras de açúcar-cande.

de repente estava nu,

e era ao mesmo tempo fantasma;

na semi-transparência, meu coração, um iglu,

era tudo: gelo, carne, isopor, papelão, citoplasma.

de repente estava só,

e a solidão em si não significava miasma.

desfiz pacotes atados com mais de dez nós

como a criança que com folguedos se entusiasma.