ENFIM JUNTOS
Ele segue meus passos em calada vigília,
desde que nem sabia andar ainda.
Não percebia seu cheiro, gosto, nem textura,
mas já sentia suas garras no meu cangote,
fincadas com tal fervor,
que parecíamos um teco só.
Assim fui deixando a vida espreguiçar,
por vezes ele assumia as rédeas do jogo,
por vezes chutava o pau da barraca,
detonando tudo, bagunçando tudo, descamando tudo,
chicoteando minha alma sem dó,
nem perdão.
Por vezes se fazia passar por mim,
sabendo meus roteiros, minhas câimbras,
muitíssimo melhor do que eu.
Tiveram horas em que zanguei dele,
querendo que nunca tivesse sido,
que tivesse morrido antes de ser,
seja lá o que fosse.
Tiveram horas em que me untei todo nele,
me lambuzando até me saciar,
até esquecer minhas varandas, minha raiz.
Desse jeito foram sendo as coisas,
o tempo foi cumprindo o legado,
o chão foi dizendo a que veio,
sem medo de ungir, de cerzir, de arrematar.
Hoje estamos mesclados,
fincados no mesmo refrão, na mesma razão,
vivemos juntos na mesma asa, no mesmo eco,
na mesma inspiração.