OUTROS TEMPOS

Houve um tempo

em que eu tinha tempo

e o tempo não me dizia nada

Era o tempo das bolas de gude

das brincadeiras de garrafão

dos esconde-esconde

dos álbuns de figurinhas

dos pega-pegas

e das quadrilhas de São João

Naquele pedaço do tempo

os dias eram alongados

permanentes e continuados

mas as horas eram ligeiras

e quando menos se via

já estava no horário de assistir

Rin-tin-tin, Jonny Quest

e Jornada nas Estrelas

Porém chegou o instante

assim precipitado e de repente

que o tempo dos tempos iguais

espatifou-se em outros tempos

pulverizando e moendo a eternidade

em tantas estilhas e retalhos

que não se conseguiu se consertar

nenhuma vez ao menos jamais

Primeiro minha avó morreu

ano seguinte foi meu pai

um ano depois minha mãe

comigo nos mudamos de bairro

troquei até de colégio

e o tempo em que eu tinha tempo

foi ficando lá para atrás

E os dias deixaram de ser parecidos

e os dias somados viraram semanas

e as semanas meses se tornaram

e de mês em mês se fizeram os anos

e os anos se converteram em décadas

e o tempo passou a me dizer tantas coisas

que hoje sinto, percebo e escuto

com os ouvidos do menino

que guardei na memória

como uma pequena sobra

daquele tempo em que o tempo

era comprido, vasto e alargado

que de vez em quando era permeado

por férias, feriados e bolos de aniversários

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 31/08/2022
Reeditado em 31/08/2022
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