Quarentena

Eu a vi uma única vez, mas foi o suficiente para que o seu olhar ficasse gravado na minha memória. 

 

Eu sempre imaginara quão profundo e misterioso deveria ser o oceano, até o momento em que me vi mergulhado na superfície daquele olhar.

 

Eu me senti atraído como por uma singularidade, uma força gravitacional que emanava das entranhas de um mistério tão cativante que sem eu menos esperar ela se tornou para mim.

 

Havia algo no brilho daquele olhar, um fogo de sedução que sem esforço nenhum me incendiava de desejos.

 

Ela era num todo uma aquarela de cores na sua beleza e mesmo por trás da máscara eu podia perceber um lindo sorriso, sorriso emoldurado na perfeição de um rosto tão  delicado.

 

E eu fiquei tipo, cheio de imaginações. 

 

Imaginações que borbulhavam das minhas emoções em forma de poesia, poesia através da qual eu me esforçava para criar um quadro que pudesse expressar o quanto um simples encontro casual mexeu com minha inspiração. 

 

Foi um momento, um instante, uma visão, a mais bela de todas.

 

Eu estava diante da mulher mais deslumbrante, de gestos que desenhavam sua delicadeza no ar.

 

Por um instante, eu até esqueci que estava em um supermercado, pois o aroma que dela exalava era como se as flores do mais exótico jardim permeassem o ar que eu respirava. 

 

Eu estava como que num êxtase, como quem vislumbrava uma visão celestial. 

 

Era realmente algo divino, até que a interferência de alguém na fila do caixa me trouxe de volta a realidade.

 

Foi só um toque sutil para que eu avançasse na fila, mas foi o suficiente para que eu a perdesse de vista e não a pudesse mais encontrar, mesmo que a procurasse diligentemente com o olhar.

 

E eu mergulhado em tristezas nunca mais a encontrei.