AUTORRETRATO
Pinto com a língua dos dedos
esculpindo letras no granito alvo dos papéis
Canto com a mudez dos vocábulos escritos
bailando no intervalo das palavras
e nos espaços permitidos das vírgulas
Fotografo imagens, lembranças e afetos
com o olhar buliçoso da alma
salpicada de assombros e espantamentos
Interpreto minhas personas desnudadas
no tirar das máscaras e de seus ocultamentos
no descortinar dos véus e das mantilhas
dos meus vários outros acobertamentos
Componho sinfonias surdas
com as caligrafias inclinadas dos ventos
enquanto rabisco desenhos com linhas
nem sempre geométricas do tempo
No respingar colorido do preto e branco
retrato paisagens que por mim passam
talhando-me de fendas e sulcos
como uma tatuagem a me revelar inteiro
Nas paredes descascadas do tempo
em que vivo, choro, sorrio e vagueio
vou revestindo meus sentimentos
com trechos e versos descrevendo
as crônicas dos meus fartos
e inesgotados pensamentos