AUTORRETRATO

Pinto com a língua dos dedos

esculpindo letras no granito alvo dos papéis

Canto com a mudez dos vocábulos escritos

bailando no intervalo das palavras

e nos espaços permitidos das vírgulas

Fotografo imagens, lembranças e afetos

com o olhar buliçoso da alma

salpicada de assombros e espantamentos

Interpreto minhas personas desnudadas

no tirar das máscaras e de seus ocultamentos

no descortinar dos véus e das mantilhas

dos meus vários outros acobertamentos

Componho sinfonias surdas

com as caligrafias inclinadas dos ventos

enquanto rabisco desenhos com linhas

nem sempre geométricas do tempo

No respingar colorido do preto e branco

retrato paisagens que por mim passam

talhando-me de fendas e sulcos

como uma tatuagem a me revelar inteiro

Nas paredes descascadas do tempo

em que vivo, choro, sorrio e vagueio

vou revestindo meus sentimentos

com trechos e versos descrevendo

as crônicas dos meus fartos

e inesgotados pensamentos

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 21/08/2022
Reeditado em 21/08/2022
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