TRANSE PARLAMENTAR
minha janela, de verniz bronzeado
oferece uma visão dourada,
contorcida e tumultuada
dos morros e casebres de sabará.
de um lado, o morro da cruz
com seus casebres e seus recortes;
uma igrejinha solitária,
marca indelével de um cartão postal
e o contraste do hotel do ouro
- obra inconclusa -,
único espécime de modernidade,
despejando zombaria nos casarões coloniais.
doutro lado,
num recorte profundo,
o vale do papa-farinha,
que despeja, bem em minha direção
um vento frio e arrepiante,
que carrega consigo um cheiro silvestre,
roubado de um ipê amarelo,
todo florido,
que faz adentrar pela janela
uma impressão de infância,
de beijos, abraços, carícias e medo.
de seu ventre ovalado,
como se desvirginado,
projeta-se a silhueta continuada
de mais e mais ipês,
como duendes
de cabeça dourada,
me observando, observando,
o dia todo, durante uma semana.
esta é a paisagem,
que guardo de minha janela,
no gabinete presidencial da câmara.