UM MINUTO ANTES DA NOITE

No cochilo das árvores

as folhas sonham ser flores

e a tarde passa por cima das copas

sem perturbar o sossego das folhagens

Nas ruas faróis se acendem

no diminuir da velocidade dos carros

enquanto nas calçadas pés alvoroçados

pisoteiam os segundos agitados

como se fossem bitucas de cigarros

Nas cinzas do queimar da tarde

sonhos buscam voltar às camas

ao mesmo tempo em que o sol se põe

expondo a noite que se escondia

por detrás do véu azulado do dia

Os postes madrugam mais cedo que os gatos

que nos cantos dos becos desalumiados

onde todos são encardidos e pardos

aguardam o regressar dos próximos ratos

Nos botequins da cidade

alguns alongam o sepultar das horas

retardando o reencontrar com o trinco das portas

que os separam das realidades das casas

e das sequidões apáticas dos quartos

Em um lugar neste instante

nem sempre assim tão distante

alguém se despede da vida

enquanto um outro amanhece e se cria

e os demais apenas esperam

depois das novelas e das preces

e o cerrar solene das pálpebras

no apagar de mais um escapado dia

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 10/08/2022
Reeditado em 31/08/2022
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