O TEMPO DA DESETERNIDADE
“Vós sois, antes de todos os tempos,
o eterno Criador de todos os tempos.
Estes não podem ser coeternos convosco,
nem nenhumas outras criaturas,
ainda que haja algumas
que preexistem aos tempos”.
(Santo Agostinho, Confissões, Livro XI)
Tic tac tic tac tic tac
o tempo espremido na cozinha
sussurra os gemidos dos relógios
Tic tac tic tac tic tac
mas não se pode prender o tempo
que não brotou das calendas
nem das fotografias ou dos retratos
pois o tempo não é uma coisa que se amarre
se segure, se imobilize, ou se pare
Tic tac tic tac tic tac
não havia tempo antes do tempo
apenas o nada que vivia fora da eternidade
que não são a mesma coisa
porém são semelhantes e são iguais
Tic tac tic tac tic tac
e a eternidade então fatigada
de ser somente uma eterna imortalidade
criou da não-existência o tempo
que não se podia achar dentro da perenidade
Tic tac tic tac tic tac
o tempo é o oposto da eternidade
onde nada nasce, muda, cresce e morre
porque nascer, mudar, crescer e morrer
são crias do tempo que nasceu
de onde só havia o nada
que vivia fora da eternidade
que não são a mesma coisa
porém são semelhantes e são iguais
Tic tac tic tac tic tac
e o tempo pariu a vida
e a vida se fez finita
mutável e perecível
como tudo que existe na vida
no Mundo, na Via Láctea e no Universo
que assim como o nada
vivem também fora da eternidade
Tic tac tic tac tic tac
morituri te salutant