HOMEM NÃO CHORA

Choro nas noites claras

nos dias escuros

nas tardes chuvosas

e nos frios molhados das madrugadas

Choro chiados de saudades

de nostalgias passadas

cravadas na memória

que nem o tempo da velhice

ou a passagem dos calendários

me haverá um dia de arrancar

Choro pelos mortos não ressuscitados

pelos escombros das casas derrubadas

por meus gibis extraviados

pelos colégios que lá passei

das muitas aulas gazeadas

das lições purificadas de catecismo

e das aulas chatas de Português

que sempre revejo quando escrevo

Choro pelos terços no mês de maio

dos supositórios que minha mãe aplicava

das travessuras pueris que não confessei

pelo anjo da guarda que demiti

e pelas missas e pelos santos

que foram por mim abandonados

Choro pelos amores perdidos

que tantas lágrimas escondi

nas fronhas umedecidas dos travesseiros

no quarto distante da adolescência

em que dormia único e desacompanhado

Choro pelos choros não chorados

pelas lágrimas que os olhos trancafiaram

pelos soluços e uivos que devia ter dado

e por um dia ter até acreditado

que homem não geme, não choraminga

não grita, berra ou lacrimeja

Choro porque choro e é bom chorar

já que aqui por dentro sou todo inundado

feito um imenso oceano alagado

de nuvens e chuvas extravasadas

das tantas águas evaporadas

no calor ardente das minhas lembranças

Joaquim Cesário de Mello
Enviado por Joaquim Cesário de Mello em 06/08/2022
Reeditado em 06/08/2022
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