HOMEM NÃO CHORA
Choro nas noites claras
nos dias escuros
nas tardes chuvosas
e nos frios molhados das madrugadas
Choro chiados de saudades
de nostalgias passadas
cravadas na memória
que nem o tempo da velhice
ou a passagem dos calendários
me haverá um dia de arrancar
Choro pelos mortos não ressuscitados
pelos escombros das casas derrubadas
por meus gibis extraviados
pelos colégios que lá passei
das muitas aulas gazeadas
das lições purificadas de catecismo
e das aulas chatas de Português
que sempre revejo quando escrevo
Choro pelos terços no mês de maio
dos supositórios que minha mãe aplicava
das travessuras pueris que não confessei
pelo anjo da guarda que demiti
e pelas missas e pelos santos
que foram por mim abandonados
Choro pelos amores perdidos
que tantas lágrimas escondi
nas fronhas umedecidas dos travesseiros
no quarto distante da adolescência
em que dormia único e desacompanhado
Choro pelos choros não chorados
pelas lágrimas que os olhos trancafiaram
pelos soluços e uivos que devia ter dado
e por um dia ter até acreditado
que homem não geme, não choraminga
não grita, berra ou lacrimeja
Choro porque choro e é bom chorar
já que aqui por dentro sou todo inundado
feito um imenso oceano alagado
de nuvens e chuvas extravasadas
das tantas águas evaporadas
no calor ardente das minhas lembranças